O sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil é um sistema hidro-termo-eólico de grande porte com predominância de usinas hidrelétricas. Os sistemas de transmissão com cerca de 142 mil km de extensão em 230 a 800 kV integram as diferentes fontes de produção de energia espalhadas pelo país com 174 GW de capacidade instalada e cerca de 9,9 mil empreendimentos de geração. A imensa malha de transmissão permite a transferência de energia entre regiões explorando a diversidade entre os regimes hidrológicos das várias bacias e dando flexibilidade, segurança operacional energética ao sistema elétrico nacional.
Apresenta ainda a vantagem de mais de 80% da matriz brasileira de geração de energia elétrica ser de fontes renováveis. Destaques para a geração hídrica, eólica e térmica de biomassa. A energia solar fotovoltáica desponta com grande potencial de crescimento e o país já ocupa a décima sexta posição no ranking mundial, apesar de estarmos ainda bem atrasados no aproveitamento do Sol. Um exemplo para o mundo onde os países da OCDE possuem em média apenas 24% provenientes de fontes renováveis.
Apesar disso vivemos um grande paradoxo, temos robustêz no sistema elétrico e uma matriz de geração invejável composta por mais de 80% de renováveis, mas o preço não cai na ponta para o consumidor, a nossa conta de enrgia é muito cara. Os riscos do negócio da energia recaem sempre para o consumidor pagar, como agora em 2020 com a Conta Covid de “socorro” às distribuidoras de energia de R$ 15 bilhões que serão pagos pelos consumidores para compensar possíveis perdas de receita das empresas. Esse modelo tarifário precisa urgentemente ser alterado e os riscos socializados por toda a cadeia do setor elétrico, desde a geração, transmissão, distribuição, governo até o consumo da energia elétrica.
Sobre o título deste artigo, antes de entrar no assunto é preciso entender a filosofia do Sistema Interligado Nacional -SIN, cujo órgão coordenador é o Operador Nacional do Sistema (ONS). A interligação do Sistema Elétrico no Brasil possui a grande vantagem da flexibilidade operacional em função da extensa malha do sistema de transmissão de energia elétrica. Isso porque a energia elétrica pode fluir de uma determinada região para outra. Esse fluxo é definido de acordo com as necessidades de otimização do sistema de transmissão e geração ou mesmo em função de riscos associados à baixa armazenagem de água em reservatórios de grandes usinas hidrelétricas de uma dada região e também devido a contingências ou emergências ocorridas no sistema elétrico.
O O N S – Operador Nacional do Sistema, além de coordenar a operação de todo o sistema elétrico interligado, faz a programação diária de intercâmbio de energia entre as regiões do país e, sendo necessário, envia mais energia de uma região em que está com reservatórios mais cheios para outras, cujos reservatórios estão mais depreciados, com menor armazenagem. Por exemplo: em determinados momentos, o Sul envia energia para a Região Sudeste/Centro Oeste, a Região Norte para o Nordeste e o Sudeste/Centro Oeste também para o Nordeste.
No estado de Mato Grosso, em função dos grandes empreendimentos de geração implantados nos últimos vinte anos, volta e meia o assunto relativo à autossuficiência de energia surge nas discussões já que o estado foi por muitos anos puramente importador de energia e blackouts eram vivenciados com frequência pelos mato-grossenses devido ao sistema frágil de transmissão e a falta de grandes fontes de geração de energia. Mas essa realidade mudou muito nos últimos anos, para melhor !
O estado possui atualmente cerca de 120 empreendimentos existentes de geração de energia elétrica. As fontes de geração de origem hídrica são as predominantes no estado através de CGH’s (até 5 MW), PCH’s (até 30 MW) e UHE’s (acima de 30 MW), totalizando cerca de 106 empreendimentos. As UHE’s geradoras recolhem 7% do valor da energia elétrica produzida a título de CFURH – Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos.
Trata-se de um encargo pago por todas as hidrelétricas do país. O recurso arrecadado é dividido entre União, estados e municípios. A legislação anterior (Lei 8.001/90) definia como percentuais de distribuição da CFURH 45% para os estados; 45% para os municípios; e 10% para a União. O PL 315/2009 aprovado em 11/4/18 pelo Senado alterou o repasse para os estados de 45% para 25%, transferindo essa diferença para os municípios, que passam de 45% para 65%. Essa compensação é repassada mensalmente, a mais de 722 municípios no país.
Em 2019, as empresas de geração foram pagadoras desse encargo, correspondente a 194 UHEs-Usinas Hidrelétricas em todo o país. No Mato Grosso, das 15 UHEs, o estado em 2019 recebeu R$ 18,24 milhões, os municípios impactados pelas UHEs R$ 47,43 milhões e a União R$ 7,29 milhões totalizando R$ 72,96 milhões. No total, em 2019 no estado de Mato Grosso foram 21 municípios beneficiados na proporção da área inundada pelos reservatórios das Usinas, uma ótima fonte de receita principalmente para esses municípios geradores de energia elétrica que acabam ficando com grande parte dos problemas sociais pós construção destas usinas hidrelétricas, que geram bastante empregos na fase de implantação por um bom período de tempo, atraindo muitos trabalhadores de fora, mas que depois de concluídas os empregos permanentes na operação e manutenção destes empreendimentos são muito poucos.
O estado produziu no ano passado cerca de 24,52 milhões de MWh e houve um consumo de 9,45 milhões de MWh. O excedente gerou uma exportação de 13,56 milhões de MWh.
Além do ótimo desempenho das fontes renováveis que representaram mais de 90%, a geração em 2019 de todas as fontes de energia em Mato Grosso foi suficiente para atender a demanda total de energia do estado e ainda exportar para o Sistema Interligado Nacional um excedente de produção médio de 55%, ou seja, o estado produziu praticamente mais que o dobro do que consumiu e ajudou muito o restante do país que é altamente dependente dos grandes reservatórios das usinas hidrelétricas.
O modelo de comercialização de energia elétrica no país não permite que estados produtores de energia como Mato Grosso se beneficiem dessa vocação de produtor de energia já que a energia é vendida em grandes Leilões nacionais promovidos pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica com o apoio da CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, ressaltando ainda que a tributação de ICMS se dá no local do consumo final, ou seja, no estado em que a energia for consumida. E ainda pagamos adicional de Bandeiras Tarifárias !
Dessa forma, pode-se dizer que Mato Grosso pode gerar toda a energia de que necessita e ainda exportar um excedente considerável e ajudar outras regiões do país. Um maior volume de exportação para o Sistema Interligado Nacional dependerá da entrada de novos empreendimentos de geração no estado que encontram-se em construção e também está diretamente relacionado ao valor da carga e da geração no estado, e estes dois parâmetros variam ao longo do ano. Por exemplo: entre agosto e outubro são registrados os maiores valores de carga no estado devido as altas temperaturas. Em contrapartida, são meses em que as usinas hidrelétricas produzem menos, em função dos baixos volumes de água nos rios. No período de seca pode haver necessidade de importação de energia de outras regiões do país em alguns horários do dia quando o consumo estiver mais elevado.
A grande geração de energia no estado tem vários aspectos importantes e vantajosos, dentre eles o fato de estas fontes estarem mais próximas aos centros de consumo. Isso proporciona maior estabilidade ao sistema elétrico e redução das perdas elétricas (energia que se perde ao longo das grandes extensões das linhas de transmissão).
Enfim, é o conjunto de fatores que contribui para a existência de um bom sistema elétrico. No caso, é a capacidade de geração do estado associada a um sistema interligado composto de várias linhas de transmissão, nas tensões de 230 e 500 KV, que interligam o estado ao restante do país, várias subestações da Rede Básica de Operação ou pontos de suprimento que possibilitam maior confiabilidade, continuidade, estabilidade, flexibilidade e segurança operacional. Pode-se dizer com toda certeza que fatos recentes como os ocorridos no Amapá muito dificilmente ocorrerão por aqui.
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista em Energia e membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-Concel MT.
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